segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Felicidade clandestina


Uma das afirmações mais famosas de Simone de Beauvoir é a de que não se nasce mulher; torna-se mulher. Da mesma forma, uma mulher não fica grávida já com a fecundação. Ela vai se tornando grávida ao longo dos meses. Vai incorporando física e psicologicamente a nova realidade. Hoje, às 37 semanas de gestação, eu posso dizer que estou plenamente grávida de Clarice. 
No início era apenas o incômodo; enjôos, e a consciência de que havia uma coisa sem nome, uma espécie de grão na minha barriga, que me parasitava e ainda não significava nada. A gravidez foi planejada e desejada, mas bem no começo a sensação foi essa: não era uma pessoa, uma criança, e sim uma parte do meu próprio corpo, um carocinho incômodo. 
Depois foi crescendo, tomando forma, e durante as ultrassonografias eu me convencia de que realmente carregava um bebê. 

segunda-feira, 19 de março de 2012

Precisamos falar sobre o Kevin


“Nós jamais vamos ter certeza. Nós não fazemos a menor ideia do que é ter um filho. E só existe uma forma de descobrir.” 


Existem livros dos quais a gente gosta. Apenas gosta. E existem outros que simplesmente nos infernizam; não conseguimos fazer nada até terminar de ler, e depois que terminamos precisamos desesperadamente contar os detalhes para mais alguém, ou quem sabe escrever resenhas metidas a besta em blogs que ninguém lê. “Precisamos falar sobre o Kevin” fez isso comigo e mais um pouco: rendeu-me pesadelos e uma noite agitada que terminou por me causar uma baita dor no pescoço (torcicolo, desconfio eu). Melhor impossível. Amo livros que me abalam. 

sexta-feira, 2 de março de 2012

Plínio Marcos, o tempo todo.



Um camelô. Camelô dos seus próprios livros, que vendia nas portas dos teatros. E tão simpático e prestativo que prometia morrer logo para valorizar os autógrafos.  Mas tão antipático e irascível que agrediu verbalmente um garoto que chegou para cumprimentá-lo e...pedir um autógrafo. Um dramaturgo fantástico. Um inculto, que conhecia vinte palavrões e escrevia peças. Um grande admirador da sua esposa, a atriz Walderez   de Barros. Admirador das mulheres em geral, capaz de se meter numa briga de desconhecidos para evitar que batessem em mulher. Um briguento, aliás. Um machista meio cômico, que acreditava estar ofendendo uma mulher se não se lhe desse uma cantada e não convidasse para “dar uma chegadinha” ao seu apartamento. Nunca se filiou a partidos ou instituições. Um anarquista. Mas um anarquista extremamente amoroso com os amigos, capaz de gestos grandiosos. E mais estranho ainda: um anarquista que acreditava nas cartas do tarô. Um crente, um religioso? Não, um bandido.  Foi preso algumas vezes, e o engraçado é que os guardas o adoravam (onde já se viu isso?). Um barbudo meio desdentado e mal vestido, que foi amigo de Cobrinha, um morador de rua que morreu de tuberculose.  Um pai que usou fraque para levar a filha ao altar. Um escritor na feira do livro em  Paris,  posando para fotos ao lado de João Ubaldo Ribeiro e Chico Buarque. 



Este foi Plínio Marcos, cuja biografia, "Bendito Maldito", escrita por Oswaldo Mendes, encanta pelo inusitado. 

quinta-feira, 1 de março de 2012

Roteiro para um sarau

Algumas vezes estou lendo uma poesia e ela me faz lembrar uma música, ou vice-versa. Daí surgiu a idéia de organizar um sarau combinando músicas com poesias, no estilo dos shows de Maria Betânia.  
É impossível pra mim, por exemplo, ouvir a belíssima música "Socorro", com letra de Alice Ruiz, e não lembrar da poesia "Parada Cardíaca", de...Paulo Leminski!  Casamento perfeito, não??


PARADA CARDÍACA 
Essa minha secura
essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure,
vem de dentro.
Vem da zona escura
donde vem o que sinto.
Sinto muito,
sentir é muito lento.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Dúvida cruel


Hoje dói-me pensar,
dói-me a mão com que escrevo,
dói-me a palavra que ontem disse
e também a que não disse,
dói-me o mundo.
Há dias que são como espaços preparados
para que tudo doa.
Só deus não me dói hoje.
Será porque hoje ele não existe?

(Roberto Juarroz, poeta argentino. Obs: a "dúvida cruel" é minha)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Por onde andará Sasha?


O que ela terá feito da vida? Onde estará morando, por onde andará no dia do show? 
Essa foi a pergunta que Alex e Bennie Salazar fizeram no último capítulo do livro “A visita cruel do tempo” (não, isso não é um Spoiler). Tal pergunta provavelmente irá conduzir o leitor a refletir, com um leve sorriso, sobre a sua própria vida, e talvez ele tente imaginar por onde andará aquele garoto/garota que era seu melhor amigo nos tempos da escola, ou ainda aquela moça/rapaz (como era mesmo o nome?) que namorou no verão de dez ou quinze anos atrás. 
Essa evocação de pensamentos é, em minha opinião, um dos maiores méritos do livro “A visita cruel do tempo”, de Jennifer Egan. 

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Boa idéia para 2012

"Escreva, minha filha, escreva. Escreva mesmo bobagens, palavras soltas, experimente fazer versos, artigos, pensamentos soltos, descreva como exercício o degrau da escada do seu edifício (saiu verso sem querer), escreva sempre, mesmo para não publicar e principalmente para não publicar. Não tenha a preocupação de fazer obras primas, que de há muito eu já perdi, se que algum dia a tive, mas só e simplesmente escrever, se exprimir, desenvolver um movimento interior que encontra em si próprio sua justificação"

(Drummond, em carta para a sua filha Maria Julieta)